terça-feira, outubro 31, 2006

Onde Dondoca põe chifres morais no narrador

Há quem o tache de achacador, acusando-o de arrancar dinheiro da operosa colônia espanhola, verrinas tremendas contra os comerciantes que se recusam a anunciar em seu peri6dico. Creio não passar tudo isso de intrigas e balelas, prefiro não tomar conhecimento. Telhado gostara realmente do soneto, não economizou elogios. Comparou-me a Pethion-de Vilar e Artur de Sales, tocou-me com aquele espontâneo reconhecimento de minha veia poética. Comoveu-me e abracei-o, não e mau rapaz. Um pouco estourado apenas, maledicente por vezes, mas não será essa amargura resultado de suas dificuldades financeiras?
Recebe uma pensão miserável, mal pode viver. Negar-lhe talento e impossível e, se abandonasse a mania do futurismo, poderia escrever bons versos.
Expliquei-lhe minhas preocupações em torno da atitude assumida pela população de Periperi naquela primeira fase da luta entre o comandante e Chico Pacheco.
Não concordou Telêmaco com o meritíssimo, que entende aquela besta do comportamento dos homens Não eram, segundo ele, as provas concretas e materiais — diplomas, mapas, cronógrafo — a causa fundamental do apoio dado ao comandante. Não era assim tão simples e fácil, nem dão os homens tanto valor as provas materiais. O que os levava a sustentar o comandante, a enfrentar Chico Pacheco e sua língua temível, era a pr6pria necessidade, sentida por todos eles, despretensiosos e tímidos aposentados e retirados dos negócios, de sua ração de aventura, de sua parcela de heroísmo. Por mais circunspecto que seja um homem, mais comedida sua vida, há dentro dele uma chama, por vezes apenas uma fagulha, capaz de transformar-se num incêndio se a ocasião se apresenta. E ela que exige fugir da mediocridade, mesmo que seja nas palavras de uma história ouvida ou nas páginas de um livro lido, da chatice dos dias iguais, pequenos e mornos. Nas aventuras do comandante, em sua vida arriscada e temerária, encontravam os perigos por que não haviam passado, as lutas e batalhas que não haviam travado, os alucinados e pecaminosos amores que, ah!, não haviam vivido.
Os Velhos Marinheiros, Jorge Amado, escritor

Sem comentários: