- Óptimo, disse eu, viemos mesmo para subir!
- É verdade, acrescentou Fangfang de imediato, subir colinas não nos mete medo.
Então ele guiou-nos até à esquina da rua e mostrou-nos o velho templo cujas telhas amarelas cintilavam ao sol, no cume da colina em frente.
- Ah, óptimo, muito obrigado.
Mas ele olhava os sapatos de salto alto que Fangfang calçava. Disse:
- Vão ter de entrar na água para atravessar o ribeiro!
- É fundo? perguntei.
- Não ultrapassa os joelhos.
Olhei para Fangfang.
- Não há problema, eu consigo.
Fangfang não queria decepcionar-me.
Agradecemos e partimos na direcção indicada. Quando já estávamos na estrada poeirenta, não pude evitar olhar de relance para os sapatos novos de salto alto e atacadores finos que Fangfang trazia. Senti remorsos. Mas ela caminhava resolutamente, sempre em frente.
- És mesmo maluca! disse eu.
- Basta que esteja contigo.
Lembras-te, Fangfang? Disseste aquilo encostando-te a mim.
Caminhamos então até a margem do ribeiro. Nos campos dos dois lados crescia milho mais alto do que um homem.
Um pequeno trilho esgueirava-se no meio das folhas verdes.
Nem uma sombra humana por perto. Abracei Fangfang e beijei-a docemente. Hem, o que se passa? Bem, ela não quer que eu fale sobre isto, voltemos ao Templo da Perfeita Benevolência. Encontrava-se no flanco da colina, na margem oposta.
Por entre as telhas amarelo-doirado cresciam tufos de ervas daninhas que se distinguiam perfeitamente.
A água do rio estava límpida. Peguei com uma mão nos sapatos de salto alto de Fangfang e nas minhas sandálias de couro. Dei-lhe a outra mão. Ela segurava a saia levantada.
Descalços na água, avançávamos tacteando. Há muito tempo que não andava assim. Ate as pedras escorregadias do rio me picavam os pés.
- Estás a magoar-te? perguntei a Fangfang.
- Gosto disto, respondeste em voz baixa. Durante a nossa lua-de-mel, até a dor nos pés era uma sensação de felicidade. E todas as desgraças do mundo pareciam deslizar entre os nossos tornozelos. Parecia que tínhamos voltado à infância, de pés descalços como crianças a brincar na água.
Fangfang saltava de uma rocha para outra, eu mantinha a sua mão na minha e por momentos trauteava uma canção.
Uma vez atravessado o ribeiro corremos para a colina, a rir e a gritar. Fangfang feriu-se num pé e eu fiquei terrivelmente inquieto mas ela tranquilizou-me, não é nada, ponho os sapatos e fica tudo bem. Eu disse que a culpa era minha, mas ela disse que se eu estivesse contente, ela ficava satisfeita e que não se importava nada que lhe doesse o pé. Pronto, não digo mais nada, não faz mal. Como sois os nossos melhores amigos, como vos preocupastes connosco, temos de partilhar convosco a nossa felicidade...
O Templo, Gao Xingjian, escritor, Nobel
Sem comentários:
Enviar um comentário