Naquela noite do primeiro dia, no México DF, também ele sucumbiu a esse encanto. Apesar das suas próprias reservas, da sua biografia, das suas ideias sobre o mundo, deu consigo com os pulsos apoiados no rebordo de uma mesa bem localizada de um restaurante de San Ángel – ele vestia casaco azul-escuro e calças de ganga, ela um vestido cor de malva tão cingido que parecia pintado sobre as suas ancas e pernas longuíssimas, o maître dizendo boa-noite, há quanto tempo, como está o seu pai, menina Ferrara – olhando para os olhos cor de uva idênticos aos daquela Nahui Ollin cuja história ela lhe contara à tarde. Olhava-os com tão inconsciente fixação que a mulher baixou um pouco o rosto e, observando o homem por entre o cabelo castanho-claro que lhe caía sobre o rosto, pôs-se séria um instante, apenas o necessário para dizer temos pouco tempo, Faulques, sem especificar se se referia àquela noite ou ao resto das suas vidas. Chamou-o assim, pronunciando pela primeira vez não o seu nome, mas o apelido. E sempre o chamaria dessa forma, até ao fim. Três anos. Mil e cinquenta dias confirmando a proporcionalidade directa de tudo aquilo ao produto do desejo de dois corpos – foi ela quem parafraseou Newton a dada altura, enquanto se abraçavam sob o duche de um hotel de Atenas –, e a inversa proporcionalidade ao quadrado da distância que os separa. Três anos intensos e viajantes, iniciados naquela noite em que acabaram, tardíssimo, sozinhos num bar da plaza Garibaldi, bebendo até passar a hora de fechar, falando de pintura e de fotografia enquanto os empregados punham as cadeiras sobre as mesas e começavam a varrer o chão; e quando Faulques olhou para o relógio, ela disse que se admirava que um fotógrafo de guerra não fosse capaz de beber impassível sob o fogo dos olhares dos empregados impacientes. Era única a colocar aqui e ali pensamentos alheios em jeito de reflexões espontâneas ou sentenças próprias, engenhosa em ultrapassar obstáculos incorporando-os ao plano original, habilidosa a mentir levando a acreditar que mentia aberta e deliberadamente. Adorava as coisas falsas, coleccionava-as por toda a parte e depois abandonava-as em cestos de lixo de hotéis, em aeroportos, oferecia-as a empregadas, telefonistas e hospedeiras: falso vidro de Murano, falsas rendas de Bruxelas, falsos bronzes antigos, falsas miniaturas do século XVIII compradas em mercados de rua. Andava à vontade entre tudo aquilo, tornando-o valioso com uma palavra ou com um olhar. Era Olvido quem conferia importância às coisas e às pessoas com quem se relacionava, talvez porque possuía a segurança perfeita que só algumas mulheres têm quando o mundo é o seu excitante campo de batalha e os homens um complemento útil mas prescindível.
De qualquer maneira, ela tinha razão. Três anos era pouco tempo, embora nenhum dos dois pudesse imaginá-lo. Nessa primeira noite no México DF, Faulques, que por essa altura já olhava para o mundo à luz dos seus paradoxos e convergências, pensou que o seu nome era Olvido; e soube de chofre, com a precisão fugaz de uma fotografia captada num instante, que ela era a única coisa que nunca conseguiria esquecer.
Agora, pelas janelas abertas da torre chegava o rumor da marulhada crescente na base da falésia, enquanto o pintor de batalhas olhava para o vulcão na parede. Nesse momento, o álcool ingerido, a penumbra ou um efeito de luz do candeeiro a gás fizeram uma sombra atravessar-se diante dos seus olhos. Trémulo, procurou o lugar do vasto mural onde aquela sombra fora esconder-se. Passado um instante abanou a cabeça. É escura, murmurou recordando, a casa onde agora vives.
O Pintor de Batalhas, Arturo Pérez Reverte, escritor
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