terça-feira, outubro 20, 2009

O Homem que não pôde ser imperador

Contar-te-ei a historia do pai de todos nós, uma historia cómica, que nunca pude esquecer.

Um dia, um homem calçou as sandálias, envolveu-se numa capa e partiu de casa, dirigindo-se aos países do Oriente, para conquistar a Mundo. Estava cheio de grandes pensamentos, a seu coração era maior do que o Mundo. E pensava: conquistarei um reino tão vasto que aos mensageiros lhes branqueará a cabeça antes que cheguem aos confins para levar as minhas mensagens; conquistarei um tesouro tão grande que um dia, se quiser, poderei encher um lago com moedas de ouro. Gozarei brancas mulheres em leitos cor do mar; aniquilarei inimigos terríveis, nas montanhas, com o fogo do meu olhar. Agora, sou um homem pequeno e pobre e só me cobre uma capa, mas os meus pensamentos são magníficos e quero chegar a ser o senhor de tudo o que existe e o dono de tudo o que vive.

Este homem foi a uma cidade e, quando anunciou que queria ser rei e levar todos os homens à guerra para conquistar um grande reino, todos se riram dele. Então, pensou em castigar aquela cidade, quando fosse poderoso, e dirigiu-se a outra, onde lhe sucedeu o mesmo. E assim andou por todo o Mundo e em todos os países se riram dele e lhe deram algumas moedas, tomando-o por um pobre louco.

Um dia, finalmente, achou-se defronte da sua casa. Nada havia mudado, somente as suas sandálias estavam rotas, a sua capa em frangalhos e os seus cabelos brancos. Entrou em casa e pensou: «Ninguém me quis acompanhar. Não tive forças para reunir um só exercito. Não conquistei tesouro algum. Não serei nunca, ao que parece, dono do Mundo.» E então pôs-se a meditar sobre o seu destino e esteve muito triste durante alguns dias.

Certa manhã, porém - estava-se no mês de Março e nos prados tinham aparecido já as primeiras flores amarelas –, o homem levantou-se muito alegre e disse consigo próprio: «Compreendi, afinal, o meu destino. Cego fui, ao sair para conquistar o Mundo. O Mundo que eu considerava real não o é, não é ele o real, o supremo, senão apenas o mundo das aparências, dos sentidos, do engano. É o Mundo dos rústicos e dos mercadores. O verdadeiro mundo só se descobre no pensamento, em nós próprios, e posso ser dono de tudo o que quiser, desde que o busque dentro de mim, no mais profundo do meu ser.» E o homem encanecido começou, com uma lâmpada acesa, a procurar o verdadeiro, o profundo, o perfeito mundo. E esse homem – recorda-o bem – foi o pai de todos os poetas, o pai de todos os metafísicos, o pai de todos os sonhadores. Fundou a dinastia dos que não possuem um único resquício de mundo real e fabricam cada dia cem pequenos mundos de nadas, de alvaiade, de gesso. E eu e tu – homem leitor –, e todos os nossos companheiros, somos os últimos descendentes do homem que não pôde ser imperador.
O Homem que não pôde ser imperador, Giovanni Papini, poeta, escritor

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