sexta-feira, novembro 27, 2009

A noite

Às vezes oiço rir, é ’ma agonia
Queima-me a alma como estranha brasa
Tenho ódio à luz e tenho raiva ao dia
Que me põe n’alma o fogo que m’abrasa!

Tenho sede d’amar a humanidade...
Eu ando embriagada... entontecida...
O roxo de meus lábios é saudade
Duns beijos que me deram n’outra vida!

Eu não gosto do Sol, eu tenho medo
Que me vejam nos olhos o segredo
Que só saber chorar, de ser assim...

Gosto da noite, imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim!
Desalento, Florbela Espanca, poetisa

1 comentário:

Ana disse...

Que bonito!
Eu gosto da noite, aliás sou muito nocturna.
Mas também gosto do sol e que me olhem os meus olhos com luz, muita luz, que consigam ver todas as cores que há neles.
A poesia de Florbela Espanca tem tanto de belo como de triste, aliás, em geral, é assim, não é? Mas não devia ser assim... em que estado precisa estar a alma e o coração para se escreverem certas coisas? Oh, que preço tão alto há que pagar para termos obras tão maravilhosas...
de qualquer modo a implicação correcta não é esta e provavelmente as obras, ao aparecerem, ao serem escritas, são até uma forma de terapia pois acabam por permitir que a dor, a angustia, e outros sentimentos que nos podem abafar saiam um pouco para fora de nós, deixem de apertar o nosso peito. É no fundo um processo paliativo, mas não curativo.