quarta-feira, setembro 12, 2012

Perfídia

- Vens comigo?
   Violeta nega com a cabeça e regressa devagar ao catre, hirta sobre as nádegas desafiantes e agitando a cabeleira avermelhada com a mão. Com ar aborrecido explica que o seu trabalho é na cozinha, ocupada a misturar ervas, esmagá-las no almofariz e cozê-las a fogo lento. Prepara malaguetas para a tintura, descasca batatas e batata-doce, tritura sementes, passa lentilhas por água.
- Também faço doces. Gostas de doce de amora?
- Não. Acompanha-me, por favor.
   A rapariga olha-o com um vago sorriso e cala-se. Sentou-se outra vez na esquina do catre onde esconde a toalha e continua a escovar a cabeleira com energia, deixando a descoberto a penugem da axila. Parece uma flor negra, ou um ouriço ali acobertado. E não é bonita, constata mais uma vez, não o é. Então por que razão o mais trivial dos seus gestos se torna atraente? O que há debaixo da mansidão das pálpebras, porque são tão embaraçosos os seus silêncios e o seu olhar?
   Alheia agora a tudo o que não tenha que ver com o cuidado dos seus cabelos, Violeta baixa os olhos e começa a cantarolar: El mar, espejo de mi corazón..., enquanto ele revive a vaia da vizinhança na noite da festa maior e a vê correr fugindo da nuvem de papelinhos que revoluteia em torno da sua cabeça.

Caligrafia dos Sonhos, Juan Marsé (Juan Faneca Roca), escritor

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