O engenheiro Boréus de Borg dava quase todos os dias uma volta até ao embarcadouro para ir esperar a chegada do vapor, o que não tinha nada de estranho, porque da sua casa ao cais era um salto – bastava-lhe atravessar a sua bela mata de pinheiros. E depois, havia sempre probabilidades de o barco trazer uma ou outra pessoa com quem ele pudesse trocar algumas palavras, para quebrar a monotonia da sua vida aldeã.
Mesmo na orla do parque, onde o caminho descia muito a pique até ao pontão, havia algumas grandes pedras nuas que afloravam do chão e as pessoas que vinham de longe muitas vezes se sentavam ali.
No embarcadouro de Borg havia sempre muita gente esperando o vapor, nunca se sabia ao certo a hora da chegada. Era raro que fosse antes do meio-dia, mas não convinha fiar-se muito nisso: podia aparecer a partir das 11 horas. Também não era impossível que se fizesse esperar até a 1 ou 2, mas as pessoas prudentes dirigiam-se para o cais logo às 10 horas, e as vezes passavam lá toda a manha.
Da janela da sua salinha em Borg, o engenheiro Boréus desfrutava uma bela vista sobre o Loeven. Via o barco assomar ao longe, contornando os cabos, e só se dirigia para o embarcadouro a hora conveniente. For conseguinte, nunca precisara de se instalar nas grandes pedras, mas, ao passar, deitava sempre uma olhadela aos que lá estavam sentados.
Ora naquele Verão não pudera deixar de notar um homenzinho de ar afável e bondoso que, dia após dia, esperava a chegada do vapor.
Mantinha-se imóvel e indiferente até que o navio aparecia. Nesse momento levantava-se num pulo, e com o rosto resplandecente de alegria, descia a correr a encosta e ia postar-se mesmo na borda do pontão, como se estivesse absolutamente certo de ir receber alguém. Mas nunca o barco lhe trazia fosse quem fosse. Depois da largada, lá ficava tão só como antes.
Então a alegria desaparecia-lhe do rosto e, quando fazia o caminho do regresso, parecia tão velho e tão cansado que quem o visse poderia recear que lhe faltassem as forcas para subir o atalho.
O engenheiro Boréus não conhecia aquele homem. Mas, certo dia de Verão, vendo-o instalado no lugar habitual, com os olhos fitos no lago, meteu conversa com ele. Soube assim que o homem esperava nesse dia o regresso da filha, ausente em Estocolmo.
— Mas tem a certeza de que ela vem hoje? — perguntou o engenheiro. — Há pelo menos dois meses que o vejo vir aqui espera-la todos os dias... Com certeza que a sua filha o informou mal.
— Oh! Não — respondeu o homem, sempre com o mesmo ar brando e pacífico. — Não me informou mal, com certeza que não.
— Mas, com mil macacos! — exclamou o engenheiro, que se irritava com facilidade. — Que quer você dizer? Veio aqui esperá-la para nada, dias a fio, e acha que ela não lhe deu uma informação errada?
— Não — disse o homenzinho, levantando para Boréus o olhar doce dos seus olhos de um azul límpido. — Não fez isso, nem podia, porque não me mandou informação nenhuma.
— Então não recebeu carta dela? — perguntou o engenheiro.
— Não, não. Não temos carta desde o dia um de Outubro.
— Mas então porque e que vem aqui? — interrompeu Boréus, espantado. — Fica para ai as manhas inteiras sem fazer nada... Como e que pode abandonar assim o trabalho?
— Sim, não e lá muito bonito da minha parte — respondeu o homem com um sorriso angélico. — Mas tudo se vai arranjando...
— Como é que se pode ser assim tão burro! — gritou Boréus, indignado. — Põe-se para ai a espera de um navio qualquer, não é? Sabe que mais? O que você está é a pedir manicómio!
O homem não ripostou. Com as mãos juntas em volta dos joelhos, ficou impassível. O sorriso continuava a pairar-lhe nos lábios, acentuando-se até cada vez mais.
O engenheiro Boréus encolheu os ombros e afastou-se. Mas, chegando a meia encosta, mudou de ideias e voltou para trás.
A amargura que em geral marcava as suas feições severas cedera lugar a uma expressão bondosa. Estendeu a mão ao homem.
— Não quero deixar de lhe apertar a mão — disse. — Até aqui julgava ser eu cá no sitio o homem que melhor conhecia a saudade. Mas agora vejo que o senhor me bate aos pontos.
Mesmo na orla do parque, onde o caminho descia muito a pique até ao pontão, havia algumas grandes pedras nuas que afloravam do chão e as pessoas que vinham de longe muitas vezes se sentavam ali.
No embarcadouro de Borg havia sempre muita gente esperando o vapor, nunca se sabia ao certo a hora da chegada. Era raro que fosse antes do meio-dia, mas não convinha fiar-se muito nisso: podia aparecer a partir das 11 horas. Também não era impossível que se fizesse esperar até a 1 ou 2, mas as pessoas prudentes dirigiam-se para o cais logo às 10 horas, e as vezes passavam lá toda a manha.
Da janela da sua salinha em Borg, o engenheiro Boréus desfrutava uma bela vista sobre o Loeven. Via o barco assomar ao longe, contornando os cabos, e só se dirigia para o embarcadouro a hora conveniente. For conseguinte, nunca precisara de se instalar nas grandes pedras, mas, ao passar, deitava sempre uma olhadela aos que lá estavam sentados.
Ora naquele Verão não pudera deixar de notar um homenzinho de ar afável e bondoso que, dia após dia, esperava a chegada do vapor.
Mantinha-se imóvel e indiferente até que o navio aparecia. Nesse momento levantava-se num pulo, e com o rosto resplandecente de alegria, descia a correr a encosta e ia postar-se mesmo na borda do pontão, como se estivesse absolutamente certo de ir receber alguém. Mas nunca o barco lhe trazia fosse quem fosse. Depois da largada, lá ficava tão só como antes.
Então a alegria desaparecia-lhe do rosto e, quando fazia o caminho do regresso, parecia tão velho e tão cansado que quem o visse poderia recear que lhe faltassem as forcas para subir o atalho.
O engenheiro Boréus não conhecia aquele homem. Mas, certo dia de Verão, vendo-o instalado no lugar habitual, com os olhos fitos no lago, meteu conversa com ele. Soube assim que o homem esperava nesse dia o regresso da filha, ausente em Estocolmo.
— Mas tem a certeza de que ela vem hoje? — perguntou o engenheiro. — Há pelo menos dois meses que o vejo vir aqui espera-la todos os dias... Com certeza que a sua filha o informou mal.
— Oh! Não — respondeu o homem, sempre com o mesmo ar brando e pacífico. — Não me informou mal, com certeza que não.
— Mas, com mil macacos! — exclamou o engenheiro, que se irritava com facilidade. — Que quer você dizer? Veio aqui esperá-la para nada, dias a fio, e acha que ela não lhe deu uma informação errada?
— Não — disse o homenzinho, levantando para Boréus o olhar doce dos seus olhos de um azul límpido. — Não fez isso, nem podia, porque não me mandou informação nenhuma.
— Então não recebeu carta dela? — perguntou o engenheiro.
— Não, não. Não temos carta desde o dia um de Outubro.
— Mas então porque e que vem aqui? — interrompeu Boréus, espantado. — Fica para ai as manhas inteiras sem fazer nada... Como e que pode abandonar assim o trabalho?
— Sim, não e lá muito bonito da minha parte — respondeu o homem com um sorriso angélico. — Mas tudo se vai arranjando...
— Como é que se pode ser assim tão burro! — gritou Boréus, indignado. — Põe-se para ai a espera de um navio qualquer, não é? Sabe que mais? O que você está é a pedir manicómio!
O homem não ripostou. Com as mãos juntas em volta dos joelhos, ficou impassível. O sorriso continuava a pairar-lhe nos lábios, acentuando-se até cada vez mais.
O engenheiro Boréus encolheu os ombros e afastou-se. Mas, chegando a meia encosta, mudou de ideias e voltou para trás.
A amargura que em geral marcava as suas feições severas cedera lugar a uma expressão bondosa. Estendeu a mão ao homem.
— Não quero deixar de lhe apertar a mão — disse. — Até aqui julgava ser eu cá no sitio o homem que melhor conhecia a saudade. Mas agora vejo que o senhor me bate aos pontos.
O Imperador de Portugal, Selma Lagerlöf, Prémio Nobel
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